A Menina do Capuchinho Vermelho estava farta de viver num tempo antigo, num livro antigo.Apanhou um dia o João, muito entretido a ler a sua história, e disse-lhe:- Ajuda-me a saltar para o século XXI.- Boa ideia! – exclamou o rapaz. Vem daí.A garota pousou os pés no chão da sala, olhando à sua volta, espantada.- Repara, está um elefante junto da tua janela.Ele riu-se.- Impossível! Eu moro no décimo andar. Aqui só chegam os pássaros.A menina apontou para a televisão.Mexendo no comando, o amigo mudou de canal e logo apareceu, por trás do vidro, o fundo do mar.- Afinal tens uma caixa mágica – concluiu ela, preparando-se para ficar toda a tarde a ver filmes.Mas o João tinha combinado ir visitar a avozinha.- Veste o anorak azul – recomendou a mãe. — E leva uns bolinhos à avó Maria. O rapaz vestiu o anorak, deu a mão à menina e saíram juntos. - Esqueceste-te dos bolinhos que a tua mãe fez... Como resposta, o garoto entrou com ela no supermercado. - Aqui é que eu compro os bolos. A minha mãe passa o dia a trabalhar numa fábrica, não tem tempo para fazer gulodices. A rapariga ficou admirada com aquela loja gigantesca. Esfregou os olhos pois parecia que estava num sonho. Para mostrar que era crescida e ajuizada, aconselhou: - Não vamos pela floresta, que aí podemos encontrar o lobo mau... João desta vez não se riu. A floresta à volta da cidade ardera no verão. Tinham-lhe deitado fogo para construírem mais prédios. - E eu que gosto tanto de florestas...— choramingou a Capuchinho Vermelho. – nem posso pensar no mundo sem o verde das árvores, o perfume das flores, os bicharocos selvagens... Iam a atravessar a rua quando... zás! surgiu um carro a grande velocidade. As crianças fugiram para o passeio mas o veículo ainda embateu no saco de bolos do supermercado. Ficaram feitos numa papa. - Cuidado! – gritou um polícia. Tomem atenção aos sinais. Querem morrer atropelados? A menina nunca tinha visto um automóvel mas, depois daquela experiência, concluiu: - Estou a ver que os carros ainda são mais perigosos que os lobos. Cuidadosamente foram andando até casa da avozinha, que morava numa pequena vivenda com jardim. - Truz, truz, truz! – bateu a menina. - Trim, trim, trim! – tocou o rapaz à campainha. A Dona Maria, espreitando pelo vídeo de porta, respondeu logo: - Entra, meu netinho. Trazes uma amiguinha? Lembra mesmo a menina do Capuchinho Vermelho. - E sou – exclamou ela. - Como hoje já não vou visitar a minha avó, fica para si o pão de ló que guardo no cestinho, feito com ovos das nossas galinhas. A senhora ficou deliciada. - Que maravilha! Hás-de me dar a receita. Foi à dispensa buscar laranjadas e lancharam os três. A certa altura, o telefone tocou. A avó foi atender. Quando pousou o telemóvel, até os olhos lhe sorriam.- Como o lobo da velha história não veio visitar-nos, podemos ir nós visitar os lobos. A menina do Capuchinho Vermelho assustou-se. O rapaz do anorak azul entusiasmou-se. - Leva-nos ao jardim zoológico, avó? - Não. No jardim zoológico, os lobos, coitados, estão presos numas jaulas. Até metem dó. - Então? – perguntou o neto. - Falou-me o Sr. Costa, que trabalha na reserva do Lobo Ibérico, para os lados da Malveira. Ofereceu-se para nos levar de boleia até lá, de jeep. A garota desatou a tremer. - Ai, os lobos devoram as meninas e as avozinhas... tenho medo. Vou voltar para a minha história. - Que rapariga tão medricas! Há uma rede a separar-nos dos animais – disse a Dona Maria. Lá foram os quatro. Passaram terras queimadas, povoações, chegando finalmente a uma casinha de madeira numa clareira. - Já estou no meu ambiente! – exclamou a menina. - Agora, – avisou o Sr. Costa – nada de barulho para não espantarmos os bichos. - Vai caçá-los?—perguntou a garota, habituada aos caçadores que matavam os lobos no seu tempo. - Não. É a hora da refeição deles. - Que horror! – Eles têm horas certas para atacar os rebanhos? – afligiu-se a Capuchinho. Os empregados do parque começaram então a dar de comer aos lobos, atirando pedaços de carne por cima da vedação. - Parecem cães polícias! São lindos! Gostava de ter aquele com um olho azul, outro castanho. O Sr. Costa disse então que podiam ser padrinhos de um lobo. Ajudavam-no a sobreviver e podiam visitá-lo sempre que quisessem. - Eu quero ser madrinha de um bebé, do mais pequenino – murmurou a garota, já reconciliada com os seus antigos inimigos. Foram até à casa de madeira. Cada um preencheu um papel. Depois receberam as fotografias dos seus afilhados. A avó tirou dinheiro da carteira e entregou-o à senhora que estava ao balcão. - É uma prenda para os nossos irmãos lobos, tão perseguidos ao longo dos séculos. O mundo também é deles!Quando voltaram para casa, o menino do anorak azul perguntou à menina do capuchinho vermelho: - Afinal peço à minha mãe para dormires no sofá-cama ou voltas para a tua história?Digam-me lá vocês o que acham que ela resolveu.
Luísa Ducla Soares